terça-feira, 18 de março de 2014

O sexo na vida das rainhas "Cataglyphis"



   Um dos limites ao narcisismo é a reprodução sexuada. Por mais que sejamos egocêntricos, nunca poderemos transmitir todos os nossos genes a nossos filhos. A reprodução sexuada exige um(a) parceiro(a)disposto(a) a contribuir com 50% dos genes. As formigas da espécie Cataglyphis cursor são capazes de clonar a si mesmas. O processo que as liberou da tirania da reprodução sexuada recebeu o nome de thelytokia. 
  Como nós, as formigas-rainha possuem duas cópias de cada gene (são diploides). As células reprodutivas passam por um tipo especial de divisão celular que resulta em células com uma cópia de cada gene (são haploides). No caso dos humanos, estas células são os óvulos e os espermatozoides. Na fecundação, um óvulo se funde a um espermatozoide e os(as) filhos(as) possuem duas cópias de cada gene, um do pai, outro da mãe (são novamente diploides).
  Na maioria das formigas, as rainhas copulam uma única vez e estocam os espermatozoides. Só então começam a produzir seus óvulos. Os óvulos são produzidos aos pares ,cada um com uma das cópias dos genes. O controle da rainha sobre sua reprodução é enorme. Quando um óvulo é produzido, ela “decide” se libera um espermatozoide. Caso o libere, o óvulo é fecundado, produzindo uma fêmea diploide. Caso seja alimentada normalmente, esta fêmea se transforma em uma trabalhadora, incapaz de reproduzir. Se a rainha não liberar espermatozoides, o óvulo se transforma em um macho haploide, com somente uma das cópias dos genes da mãe. 
  Para produzir novas rainhas, a maioria das formigas alimenta as fêmeas jovens com geleia real, o que as transforma em rainhas férteis. Geradas por reprodução sexuada, com 50% dos genes vindos do óvulo e 50% do espermatozoide, as rainhas-filhas são diferentes de suas mães. 
  Tudo ia bem no reino das Cataglyphis até que cientistas resolveram aplicar nas rainhas filhas um teste de paternidade semelhante ao que a Justiça humana utiliza para determinar quem é o pai de uma criança. Descobriram que todas as rainhas-filhas eram idênticas às mães, possuindo somente os genes da mãe. Não tinham pais; eram “clones” de suas mães. 
  Com um pouco mais de investigação, descobriram o truque utilizado pelas Cataglyphis. Em determinadas situações, as rainhas liberam simultaneamente dois óvulos contendo, cada um, 50% dos genes da rainha. Em fez de liberar espermatozoides para fecundar os óvulos, a rainha utiliza um mecanismo ainda desconhecido para fazer com que os dois óvulos se fundam, produzindo uma célula diploide com todos os genes da mãe. É como se ela cortasse uma maçã ao meio para imediatamente depois juntar as metades. É a thelytokia. Estas células se desenvolvem em rainhas-filhas que são clones da rainha-mãe. As egocêntricas rainhas Cataglyphis não só controlam o sexo dos filhos, mas se dão ao luxo de só utilizarem a reprodução sexuada quando “querem”.
  Descoberto o primeiro exemplo, os cientistas, detestes de paternidade em punho, estão tentando descobrir o fenômeno em outras espécies.



Mais detalhes em Conditional use of sex and parthenogenesis for worker and queen production in ants.Science, vol. 306, page. 1780, 2004.

Postado por Glauciléia Brito

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